"A cidade ali está com seus enganos..." - A Cidade, de Fagundes Varela
Textos e Mensagens

"A cidade ali está com seus enganos..." - A Cidade, de Fagundes Varela


A meu ver, Fagundes Varela (1841 - 1875), é um de nossos poetas injustiçados. Está certo que não foi dos mais originais de nossos românticos, não foi o iniciador de nenhum dos três períodos do romantismo, e acabou sendo ofuscado pela originalidade e radicalismo de Álvares de Azevedo e pela força grandiosa da inspiração de Castro Alves. No entanto, a imensa variedade de sua temática, que parte do pessimismo e da desilusão do 2ª geração romântica (na qual é incluído) até atingir as alturas do "condoreirismo" da 3ª geração , a espontaneidade da escrita, a beleza plástica de seus versos, a sua intensidade emocional fazem de Fagundes Varela um dos grandes poetas brasileiros. 

É oportuno lembrar que mesmo não tendo sido o poeta carioca o iniciador da geração "condoreira" no Brasil, ele de certa forma se antecipou, prevendo Castro Alves, pois foi o primeiro ultrarromântico a deixar as sombras do "mal-do-século". Isso deveria ser levado mais em consideração ao se avaliar a  importância de sua obra. A presença da natureza é constante e muito forte na obra de Fagundes Varela. E estou certo de que se ele vivesse hoje teria uma imensa consciência ecológica. 

Prova disso é o poema "A Cidade", que está abaixo. Um poema que se nos apresenta com terrível atualidade. Que o leitor tire suas conclusões. Para não deixá-lo muito cansativo à leitura no blog, tomei a liberdade de excluir algumas poucas estrofes. Na imagem, o quadro, "O Crescente das Casas" de Egon Schiele.

A Cidade
A cidade ali está com seus enganos,
seu cortejo de vícios e traições,
seus vastos templos, seus bazares amplos,
seus ricos paços, seus bordéis salões.

A cidade ali está: sobre seus tetos
paira dos arsenais o fumo espesso,
rolam nas ruas da vaidade os coches
e ri-se o crime à sombra do progresso.

A cidade ali está: sob os alpendres
dorme o mendigo ao sol do meio-dia,
chora a viúva em úmido tugúrio,
canta na catedral a hipocrisia.

A cidade ali está: com ela o erro,
a perfídia, a mentira, a desventura...
Como é suave o aroma das florestas!
Como é doce das serras a frescura!

A cidade ali está: cada passante
que se envolve das turbas no bulício
tem a maldade sobre a fronte escrita,
tem na língua o veneno e nalma o vício.



Quanta atroz injustiça e quantos prantos!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada!
Quanta virgem vendida aos lupanares!

Quanto talento desbotado e morto!
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida!
Num carinho de mãe ou de mulher!



E abalroam-se as múmias coroadas,
corpos de lepra e de infecção cobertos,
em cujos membros mordem-se raivosos
os vermes pelas sedas encobertos!



Aqui verdes campinas, altos montes,
regatos de cristal, matas viçosas,
borboletas azuis, loiras abelhas,
hinos de amor, canções melodiosas.



Ali a honra e o mérito esquecidos,
mortas as crenças, mortos os afetos,
os lares sem legenda, a musa exposta
aos dentes vis de perros objetos!



Salve, florestas virgens! Rudes serras!
Templos da imorredoura liberdade!
Salve! Três vezes salve! Em teus asilos
Sinto-me grande, vejo a divindade!



Fagundes Varela




loading...

- Berlim Um Dia
Glória e holocausto perfeito casamento grandeza variada nesta cidade imensa a Europa toda aqui em tamanho de cidade cheiro a esforço a guerra a confusão quezílias de outros tempos outra idade ideais em dose múltipla força fraqueza em cada geração...

- Eu Amo A Noite
Fagundes Varela escreveu um dos mais belos e viscerais poemas dedicados à noite (e/ou ao sombrio) da literatura brasileira. Publico-o abaixo: Eu Amo a Noite Eu amo a noite quando deixa os montes, Bela, mas bela de um horror sublime, E sobre a face...

- O Grande "boca Do Inferno" é Sempre Atual
A prova de que a humanidade não muda (ou talvez mude para pior), está na poesia rebelde, indomável, impiedosa, de Gregório de Matos, que há 3 séculos "botou a boca" em nossa sociedade corrompida. Era corrompida, continua corrompida. E quantas...

- Murmúrios Da Tarde, De Castro Alves
Castro Alves, obviamente, dispensa apresentações. Trata-se de um dos maiores poetas brasileiros, com certeza, um dos mais inspirados de toda literatura de língua portuguesa. A beleza lírica, a musicalidade e o ritmo empolgantes, a incrível naturalidade...

- Nudez
.. . Procurei-te No mais fundo de mim Desenhei-te Nos contornos do viajar intranquilo Adivinhei-te No vulto que dobrava a esquina Ah, quanta cegueira Quanta insistência na receita errada Por uma quimera mil vezes desejada Ah, quanta solidão Quanto rebuscar...



Textos e Mensagens








.