Cruz e Sousa e a Consciência Negra
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Cruz e Sousa e a Consciência Negra


20 de novembro é o Dia da Consciência Negra. Infelizmente, meu dia de ontem foi bastante corrido e não tive tempo de postar nada no blog. Faço-o hoje. Mas sem realizar homenagenzinhas sem graça, atulhadas de lugares comuns e de hipocrisias. 

Aproveito para falar de Cruz e Sousa (que nasceu em 24 de novembro de 1861), o grande poeta negro, filho de escravos, o Cisne Negro, como ficou conhecido, um dos maiores poetas brasileiros e um dos maiores simbolistas mundiais. Se o catarinense Cruz e Sousa não foi um grande revolucionário da linguagem poética, como o foram Baudelaire e Rimbaud, talvez os dois maiores nomes do Simbolismo universal, o nosso simbolista foi sem dúvida mais sublime que o primeiro e mais humano que o segundo. Acrescentaria ainda que foi mais sincero que Verlaine, mais profundo que Mallarmé e mais autêntico que Valéry. Dito isso, não é necessário que eu diga mais nada sobre. 

Talvez apenas seria interessante acrescentar que Cruz e Sousa não faz parte da Academia Brasileira de Letras. Não o faz porque era negro? Ou porque era simbolista? O Simbolismo foi um movimento muito combatido pela crítica brasileira da época, que preferia os artificialismos do Parnasianismo. Os franceses e alemães, países atrasados, é que apreciavam o Simbolismo. Seja como for, ainda bem que o Sousa não fez parte dessa Merda  toda (em maiúscula mesmo, em um recurso simbolista) que se tornou a nossa academia de letras.

Deixo trechos do poema "Piedosa", comovente obra que Cruz e Sousa escreveu para sua mulher, também negra, Gavita Gonçalves, que lhe deu quatro filhos, todos mortos pela tuberculose, e que, por isso, enlouqueceu. Poucas obras em nossa literatura são tão tocantes como o poema abaixo. Comprovem:

Piedosa (Trechos)


Porque não é por sentimento vago,
Nem por simples e vã literatura,
Nem por caprichos de um estilo mago
Que sinto tanto a tua essência pura.

Não é por transitória veleidade
E para que o mundo reconheça,
Que sinto a tua cândida Piedade,
As auréolas de Luz dessa cabeça.


Mas sinto porque te amo e te acompanho
Pelas montanhas de onde sóis saudosos
Clarões e sombras de um mistério estranho
Espalham, como adeuses carinhosos.

Sinto que te acompanho, que te sigo
Tranqüilo, calmo desses vãos rumores
E que tu vais embalada comigo,
Na mesma rede de carinho e dores.

Sinto os segredos do teu corpo amado,
Toda a graça floral, a graça breve,
Todo o composto lânguido, alquebrado
Do teu perfil de áureo crescente leve.

Sinto-te as linhas imortais do flanco,
E as ondas vaporosas dos teus passos
E todo o sonho castamente branco
Da volúpia celeste desses braços.

Sinto a muda expressão da tua boca
Feita num doce e doloroso corte
De beijo dado na veemência louca
Dos céus do gozo entre o estertor da morte.

Sinto-te as nobres mãos afagadoras,
Riquezas raras de um valor secreto
E mãos cujas carícias redentoras
São as carícias do supremo Afeto.

Sinto os teus olhos fluidos, de onde emerge
Uma graça, uma paz, tamanho encanto,
Tão brando e triste, que a minha alma asperge
Em suavíssimos bálsamos de pranto.

Uns olhos tão etéreos, tão profundos,
De tanta e tão sutil delicadeza
Que parecem viver lá n’outros mundos,
Longe da contingente Natureza.

Olhos que sempre no tremendo choque
Dos sofrimentos íntimos, latentes,
Tem esse toque amigo, o velho toque
Original das lágrimas ardentes.

Ah! sé eu vejo e sinto esse desvelo
Que transfigura e faz o teu martírio,
O sentimento amargurado e belo
Que e já, talvez, quase mortal delírio...

Sinto que a mesma chama nos abraça,
Que um perfume eternal, casto, esquisito,
Circula e vive com divina graça
Dentro do nosso trêmulo Infinito.

E tudo quanto me sensibiliza,
Fere, magoa, dilacera, punge,
Tudo no teu olhar se cristaliza,
No teu olhar, no teu olhar que unge.

Cruz e Sousa







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