«Quem era La Boétie e que pretendia ele? O que constitui a "eternidade" deste Discurso, a sua intensidade de cometa cruzando os séculos, é o facto de esta análise não ser "de tempo nenhum", sendo como é "de todos os tempos" — desde que existe o poder do Estado. Como Maquiavel, a quem se opõe menos do que parece, La Boétie atinge os segredos políticos dos séculos vindouros (Spinoza, Locke, Rousseau) fazendo-o porém com uma maior lucidez que o leva a recusar qualquer visão ideal das relações entre o Estado e o cidadão. Além disso, o Discurso extravasa os moldes duma leitura política tradicional. O repetido fascínio que exerce provém de igualmente lançar os fundamentos dum estudo das relações entre o domínio e a servidão nas relações íntimas interpessoais. O tirano não se reduz a uma categoria política, é também uma categoria mental ou até "metafísica". Esta relação entre domínio e servidão não se trava somente na sociedade constituída, trava-se também no âmago da consciência. Deste Discurso não extraímos uma simples lição política, extraímos igualmente uma lição ética moral, como um apelo a rejeitar das nossas próprias entranhas a figura ameaçadora e cruel e adorada do tirano.» Séverine Auffret
|