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Misto-Quente, de Bukowski, o melhor romance norte-americano
Hoje, 16 de agosto, é aniversário de Henry Charles Bukowski, ou Heinrich Karl Bukowski, nascido na Alemanha em 1924, mas que viveu praticamente toda sua vida nos EUA, onde escreveu toda sua obra. Há tempos conheço a obra de Bukowski, um dos últimos escritores malditos, mas havia lido mais seus impiedosos contos e poemas. Conheci há pouco seus romances. E arrependo-me de não os ter conhecido antes. São devastadores. Principalmente Misto-Quente, o quarto dos seus seis romances.
Não vou hesitar: Misto-Quente é o melhor romance escrito nos EUA que já li. E não li poucos. Melhor até que qualquer romance do Hemingway tomado isoladamente. Não direi que Bukowski é o maior romancista, ou o maior prosador. O maior prosador é e sempre será Edgar Allan Poe, o maior gênio nascido em terras norte-americanas. Mas o melhor romance é Misto-Quente do bêbado Bukowski. Muitos não concordarão. Estão no seu direito. E eu, no meu.
Misto-Quente é tão bom que farei algo que nunca faço aqui no blog. Recomendá-lo. Raramente recomendo um livro sem que me peçam. Em toda recomendação, principalmente na de livros, há algo de presunção e arrogância. É como dizer: "leia o que eu li, porque o que eu leio é bom e você deverá gostar disso. Talvez o que você leia não seja tão bom..." Recomendações são quase sempre uma chatice. Mas abrirei uma exceção e recomendarei Misto-Quente. E um dos motivos é porque nunca vi ninguém recomendando abertamente este livro.
É que o livro é foda. Um romance de formação dos mais sinceros e corajosos. Sem a mínima pena da sociedade. Não poupa nada nem ninguém. Aliás, sinceridade e coragem é o que não faltam em Bukowski. O cara diz o que tem de ser dito, sem enrolação, sem meias-palavras, sem intelectualismos, sem literatice, sem hipocrisias. Bukowski coloca no chinelo praticamente todos os aspectos da sociedade contemporânea. Principalmente, o estilo de vida americano.
Destrói, por exemplo, a babaquice do patriotismo e da vida "correta", produtiva e consumista. Suas ironias e sarcasmos chegam à crueldade. Seu cinismo é insano. É um chute na bunda geral. E o mais importante é que, assim como Poe em seu estilo, Bukowski realmente viveu o que escreveu. Misto-Quente conta a formação do menino Henry Chinaski, ou seja, do alter-ego de Bukowski, em meio à pobreza e às injustiças da Grande Depressão americana.É quase um romance autobiográfico. E sem aquelas insuportáveis análises intelectuais pretensamente filosóficas tão comuns em alguns escritores famosos. É vida escrita. Não há espaço para teorias ou hipóteses. É o ser humano sem nenhuma máscara. O trecho a seguir não está em Misto-Quente, mas em um dos seus contos, Grite Quando se Queimar:
"Camus falava de angústia, terror e da miserável condição humana, mas falava disso de uma forma tão cômoda e floreada... Em outras palavras, era como se tudo fosse ótimo. Camus escrevia como alguém que acabou de concluir um lauto jantar de bife com batatas e salada, e depois enxaguou com uma garrafa de bom vinho francês".
É exatamente o que não ocorre em Misto-Quente. Bukowski sentiu na pele o que escreveu. Fosse bom ou ruim. E Bukowski não tira a máscara da humanidade. Ele a arranca com uma bofetada, estando de frente para ela. E não bate só nos outros, também bate em si mesmo, sem piedade. Confessa sua miséria e retira a coberta da miséria dos outros. Que não gostam de se admitir miseráveis. Bukowski não é de meio-termos. Impossível ficar indiferente à sua obra. Alguns terão nojo. Finalizo com um trecho de Misto-Quente:
"Era como se meu destino fosse ser um assassino, um ladrão de banco, um santo, um estuprador, um monge, um ermitão. Precisava de um lugar isolado para me esconder. A vida das pessoas sãs, dos homens comuns, era uma estupidez pior do que a morte. Parecia não haver alternativa possível. A educação também parecia uma armadilha. O que eram médicos, advogados, cientistas? Apenas homens que tinham permitido que sua liberdade de pensamento e a capacidade de agir como indivíduos lhes fosse retirada".
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