Textos e Mensagens
O Genocídio (Final)
Todos sabiam, é claro, que deveriam morrer. Chorando, suspirando, gemendo, gritando ou sombriamente calados, todos aguardavam o momento em que seriam chamados para a execução. E teriam que aceitar, não havia saída ou solução para os seus casos. Nenhuma. Sabiam disso. E foi no momento daquela ventania luminosa com o surgimento do brilho absurdo dos dois orbes simultâneos que souberam de tudo. Um “Não acredito!...” foi tudo o que puderam pronunciar em um fúnebre desalento. E baixaram as cabeças em terrível resignação, como que curvados sob o peso de um martelo hercúleo.
Seguiu-se um arrastado e doloroso instante de lembrança de todas suas vidas, de tudo que viveram, o que fizeram, o que amaram e o que odiaram... Imploravam, gritavam, berravam, arrastavam-se no lodo do chão suplicando por misericórdia, mas no fundo conheciam que era tarde demais, e tudo resultaria completamente inútil. Por fim, desabaram em uma crise de choro desesperado.
Fui para o fim da fila, sem precisar que para isso me ordenassem. Fui porque não havia o que fazer. E porque sabia que essa era minha obrigação, era um fato inexorável. Aos poucos, em horas que pareciam milênios, minha vez foi chegando. Havia milhares na minha frente. Quando restavam apenas seis miseráveis para chegar a minha vez, percebi que alguns, raros, não eram mandados para a execução, mas levados a uma mesa em cujo redor estavam sentadas sete pessoas estranhas com uma expressão de intensa gravidade em suas duras fisionomias. Enquanto tentava observar o que ali se passava, minha vez chegou. Nesse momento, virei para trás. Havia milhares de desgraçados atrás de mim em meio ao cinza avermelhado daquela noite interminável.
Um homem que não parecia humano olhou fixamente nos olhos. Quando digo que não parecia humano, não sei com o que compará-lo. Seu semblante grave e carregado não irradiava maldade. Bondade, tampouco. Parecia que estava ali unicamente para cumprir uma missão, qual seja, a de enviar as pessoas da fila para algum tipo de execução: fuzilamento, envenenamento ou enforcamento. Ou então, o que era raríssimo, conforme pude constatar, enviá-las para a mesa com os 7 homens estranhos. Pois ele olhou-me, e seu olhar foi uma das coisas mais terríveis que presenciei em toda a minha vida lamentável. E não gostei de sua expressão. Um arrepio impiedoso fez com que uma crise de choro me dominasse. O homem aguardou a crise passar. Pensei comigo: seja qual seja o meu desígnio, ele será justo. Era uma forma de consolo.
O homem apontou seu longo dedo para a mesa com os 7 homens. Lentamente e carregado de medo e dúvida dirigi-me até lá. Todos me olhavam fixamente. Aqueles olhos que me perscrutavam de forma assustadora. Esse foi o instante em que o medo atingiu um auge insuportável. Aquele medo ancestral de que já falei. Será isso pior que a morte? perguntei a mim mesmo. Talvez fosse. Uma vergonha absurda principiou a me estarrecer, eles sabiam tudo de mim, eles não me falavam, mas eu sabia que eles sabiam. Aliás, eles não me diziam absolutamente nada. Um misto de medo infinito, vergonha degradante e culpa avassaladora estavam acabando comigo. Já não me era suportável aquela tensão, aquela expectativa que me consumia. Foi quando um deles mexeu em uns papéis e me alcançou um deles. Gelei, nesse instante.
- Está faltando muito, muito mesmo, ainda assim, aqui está, outra chance.
Foi o que ele me disse. Não sabia o que responder. Talvez, nem devesse fazê-lo. Creio que agradeci. Não lembro. Ainda tento entender o porquê de receber outra chance. Seja como for, ela deve ter sido justa. E creio realmente que a mereci. Embora pensasse todo o tempo que não a merecesse. Ainda me é difícil acreditar. Saí daquele local absurdo. Entrei em uma sala iluminada e caminhei por um corredor de tonalidades claras. Só minutos depois percebi que havia uma sacola em minha mão. Eu a carregava, mas não lembro do instante que me fora dada. Verifiquei o que havia nela. Três toalhas, de cores diferentes. Mas deveria ainda pegar mais alguma coisa que não posso revelar. Olhei para o lado. Ela me acompanhava...
(Na imagem, o quadro "O Grito" de Munch.)
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