Os filhos crescem num ápice e, sem nos darmos conta, o voo da autonomia começa a insinuar-se.Mas não foi assim há tanto tempo que eles dependiam totalmente de nós. À memória vêm-me, por exemplo, os seus três anitos, tempo em que cada refeição implicava uma história nova, um excelente exercício para a capacidade inventiva do progenitor, que tinha que ser criativo na hora. Muitas histórias surgiram da inspiração do momento, de que é exemplo esta sobre filhós. Que, creio, surgiu para atenuar a fixação dum deles em determinado alimento. Que não as filhós, iguaria de que nunca foram apreciadores..
.. Era uma vez um rei que gostava muito de filhós.
Ora, na terra do rei, o Reino da Calmaria, era hábito fazer filhós apenas no Natal e no Carnaval. E o rei Ramiro, que era doido por filhós, passava o resto do ano a suspirar que chegasse o tempo delas.
Um dia, quando passava junto à varanda do palácio, um conselheiro viu o rei a suspirar.
- Que se passa, Alteza?
- Apetecia-me comer filhós, mas ainda falta muito para o Natal. Nem sei que faça!
- Alteza, mas há uma solução para o vosso problema. Não sois vós o rei? Então ordenai aos vossos pasteleiros que façam filhós, e fica o problema resolvido.
O rei gostou da ideia. E imediatamente mandou chamar os pasteleiros à sua presença, para lhes dizer que, a partir daquele momento, queria comer filhós todos os dias.
E assim foi. A partir daquele dia o rei Ramiro passou a empanturrar-se de filhós. Comia-as ao pequeno-almoço e ao lanche, e só não as comia ao almoço e ao jantar porque a rainha Margarida o conseguiu convencer de que aquela atitude era imprópria dum grande monarca.
Os dias foram passando, e o gosto do rei pelas filhós não parecia esmorecer. A família real é que não o acompanhava no gosto. E, passado pouco tempo, todos arranjaram uma desculpa para não partilhar a mesa do rei à hora do lanche e do pequeno-almoço. A rainha dizia que estava com enxaqueca; o príncipe João alegava que tinha aula de equitação; o príncipe Luís invocava o estudo dos astros, pois andava a aprender astronomia...
O rei, rodeado de filhós, encolhia os ombros e não de importava. E os dias iam passando.
Um mês depois, o rei Ramiro já não comia as filhós com a mesma vontade. E, se antes comia três ou quatro, agora só comia duas ou mesmo uma. Começava a ficar farto de filhós.
Passou mais uma semana. E, sem surpresa para ninguém, o rei já só debicava um ou outro bocadinho de filhó. Estava farto!
O rei voltou a chamar os pasteleiros. E, a partir daquele dia, só se comeriam filhós no Natal e no Carnaval.
Quando souberam das novas ordens do rei, os habitantes do palácio ficaram contentíssimos, pois já ninguém suportava o cheiro das filhós. E o rei, enquanto se deliciava com uma peça de fruta, passou a ter a alegre companhia da família a todas as refeições.
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