Uma Tragédia Sem Importância...
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Uma Tragédia Sem Importância...


Naquele ensolarado final de tarde primaveril, saí às ruas para mais uma de minhas costumeiras caminhadas. É sempre inspirador caminhar sentindo a brisa prazerosa tocar nossa face sob um límpido céu azul, ao paradisíaco aroma das flores e ouvindo o canto celestial das aves.

E quando já estava ao fim de meu passeio, encontrei sentada sobre uma calçada uma linda menina de cabelos brilhantes e olhos dourados, aparentando não mais que 13 anos de idade e vestindo uma roupa de cor verde bastante simples mas que muito se adequava à sua inocente beleza. Aproximei-me da menina e percebi que ela chorava copiosamente. Sentei-me ao seu lado e perguntei por que ela chorava tanto, ao que ela respondeu-me:

“Meus pais foram mortos há alguns dias, foram assassinados. Meu pai levou um tiro no peito, seu sangue respingou sobre mim. Minha mãe também foi ferida com um tiro, caiu no chão e teve sua cabeça esmagada sem piedade por aqueles homens cruéis. Meus irmãos mais jovens foram raptados pelos assassinos, eles os levaram. Eles gritavam e choravam desesperados, mas não podiam fugir. Só eu consegui escapar.

Eu fugi, e sem meus pais não sabia o que fazer. Nós vivíamos no interior de uma floresta, tínhamos a nossa casinha onde éramos tão felizes, mas ela foi destruída, e aqueles homens maus devastaram toda a floresta. E lá plantaram uns arbustinhos que chamavam de soja. Eu fiquei por um tempo escondida em um pequeno bosque, o único pedaço de mata que restou. Alimentava-me de algumas frutinhas que encontrava por ali.

Um dia os homens maus vieram carregando algumas coisas que não sei dizer o que eram e começaram a fazer sair uma nuvem branca sobre a soja. Acho que aquela nuvem era venenosa, porque ela veio até mim, e eu a respirei, e seu cheiro era horrível. Comecei a me sentir mal, fiquei tonta e saí da mata em direção ao rio.

Quando lá cheguei, bebi um pouco d’água para me sentir melhor, mas a água estava com um gosto muito ruim, e senti-me ainda pior. Havia coisas estranhas no rio, sujeiras, lixos, e as águas que antes eram tão limpinhas, tão bonitas, onde eu e meus irmãos brincávamos e pegávamos bichinhos da água, estavam marrom, mau-cheirosas e sem nenhum peixe. Também não havia mais na beira do rio as grandes árvores verdejantes onde nós tanto gostávamos de brincar.

Então saí do rio sentindo-me muito mal. Voltei para a mata, a nuvem branca já tinha passado. Foi então que ouvi tiros que se aproximavam de mim. Seriam aqueles assassinos? pensei. Eu devia fugir dali, ainda que mal tivesse forças para isso. Então saí da mata no mesmo momento em que vi aqueles homens matando a tiros uma família de cachorros-do-mato. Mataram todos os cachorros, pai, mãe e os três filhinhos, mataram por matar, para se divertir, porque nem levaram seus corpos, deixaram lá para apodrecer e saíram rindo muito satisfeitos.

Mesmo quase sem forças, eu consegui escapar. E assim, lentamente fui me dirigindo para a cidade. Então, com muita dificuldade, cheguei até aqui onde estou. Eu estava escondida naquela árvore, mas perdi todas as minhas forças, mal conseguia respirar, e caí sobre a calçada. Ainda consegui erguer-me, mas sentia que aquela nuvem venenosa que respirei no campo estava me matando, ela me asfixiava. Mas ainda vivia e lutava pela vida. Tentei caminhar pela rua, era tudo que podia fazer, na esperança de que alguém me ajudasse. Vi que vinham crianças, e pensei que elas não seriam más e então me ajudariam.

Mas eu muito me enganei. Aquelas crianças, ao verem que eu ali estava caminhando com dificuldade, juntaram muitas pedras para atirar em mim, acertando algumas com muita força. A dor que elas me causavam era insuportável. Eu sentia as pedras machucando e cortando minha carne, fraturando meus ossos, via meu sangue escorrer, e não podia fazer nada. Uma das pedras quebrou minha perna direita, e não pude mais caminhar. Eu já não agüentava mais, até que uma pedra enorme foi jogada sobre minha cabeça. Ainda ouvi e senti meu crânio ser esmagado, e logo a morte veio para aliviar minha dor. Ali está o que restou do meu corpo.”

Olhei à minha esquerda e percebi o cadáver de um pequeno pássaro de plumagem verde, amarela e azul esmagado por dezenas de pedras. Perplexo, voltei meu rosto para a menina e nem precisei perguntar, pois ela se adiantou:

“Sim, eu sou o espírito daquela avezinha, sou sua alma. Os homens acabaram com a minha vida, com minha família, com meu canto, com minha felicidade. E quem teria piedade de um pobre pássaro, quem daria atenção para mim? Ninguém, ninguém dá atenção para essas coisas... Esses são os humanos... O que vocês estão fazendo com a vida deste planeta? E quando toda essa vida morrer, o que será de vocês?”

Nesse instante, acordei de meu sonho. Sim, tudo não passou de um sonho. Ou pesadelo. Levantei-me, profundamente abalado. Horas depois saí para caminhar nas ruas. E qual não foi meu espanto ao encontrar em um local arborizado um pássaro verde, amarelo e azul esmagado por dezenas de pedras. Agora, era a realidade...



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