“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte
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“Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la.” 2ª Parte


Será que somente eu percebia tal alteração? Ou estaria com alguma doença nervosa, psíquica, que faz com que perceba os céus dessa forma? Sim, doente eu acredito que estou realmente. Tenho certeza, aliás. Não sei qual doença poderia estar me afetando, mas que há muito tempo não me sinto nem um pouco bem, muito pelo contrário, é algo absolutamente inegável. É possível que se trate de uma nova enfermidade, afinal, nos últimos anos, surgiram tantas moléstias desconhecidas, pestes incontroláveis, várias delas brutalmente fatais, que eu posso ter sido mais uma vítima, mais um desgraçado como os milhões de humanos cujas vidas foram ceifadas pelas mutações de vírus e bactérias patogênicas. Diversas delas, foram criadas, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio homem, em seu afã de ser um deus. Um deus?! haha, olhem para o que se transformou a humanidade...

Mas ignoro o que realmente ocorre comigo. Tentarei, entretanto, de modo sucinto, descrever os estranhos e deprimentes acontecimentos que há 11 meses vêm degradando minha miserável existência.

Conforme afirmei anteriormente, há alguns meses, percebi, ou julguei perceber, uma sutil alteração na coloração do céu, que estaria sendo “invadido” por uma espécie de funesto “avermelhamento”. Seriam alucinações? Seria o sintoma de alguma terrível enfermidade? Não sei, sei que essa quase imperceptível tonalidade rubra, seja ela real ou fictícia, atrai-me de um modo insanamente irresistível.

Todos os dias, invariavelmente, sinto-me como que “obrigado” a sair durante o momento do ápice do sol, ou seja, ao meio-dia, não importando as condições climáticas, não obstante meu prazer nos dias de sol seja bem maior. Caminho em direção a um campo aberto e desabitado, sento-me sobre a grama, dirijo meus olhos para o céu, e fico contemplando por quase uma hora aquilo que julgo ser uma insidiosa e lentíssima invasão do céu azul por uma tonalidade anomalamente vermelha. Nos primeiros dias, sentia-me bem após o término de minha contemplação, embora melancólico. Porém, com o passar do tempo, essa melancolia foi se transformando em uma negra depressão de espírito, em um desalento, em um desânimo tão profundo, que havia dias que eu não conseguia nem mesmo erguer a cabeça ao retornar para casa e perambulava sorumbático pelas ruas, como um zumbi. Olhava para as outras pessoas, todas infelizes, desesperadas e imersas em problemas sem solução, ou então que expressavam um perverso sorriso diabólico, e minha depressão se intensificava ainda mais.

Ao chegar em casa, atirava-me quase sem forças na cama, sem comer, sem tomar banho. Enfim, sem fazer absolutamente nada, dormia até o amanhecer do outro dia, sendo torturado durante todo o período de sono por pesadelos povoados pelos seres mais absurdos, monstros de aparência indescritível e de uma perversidade inimaginável. Os cenários de meus pesadelos eram os piores possíveis, e, para que se tenha uma idéia dos mesmos, basta que tenha em mente o ambiente do Inferno de Dante.

Ao me acordar, quase sempre por volta das 9h, a tristeza e a desolação pareciam ter regredido, e eu levanta-me, comia alguma coisa, realizava uma breve higiene pessoal e pensava em ir trabalhar. Mas minhas forças não eram suficientes. Então, sentava-me, aguardando ansioso e angustiado o momento de sair para a absurda contemplação dos céus que se avermelhavam, conforme meu enfermiço julgamento. E lá eu permanecia, por períodos de tempo cada vez maiores, sentindo-me consolado pelo que via, ou acreditava ver. E então, deixava o local, muitas vezes debaixo de uma chuva ácida, arrastando um manto de tristezas que pesava como o chumbo. Chegava em casa e jogava-me em meu sono atormentado.

Essa era minha vida, somente isso, durante vários meses. No entanto, aos poucos, minha depressão foi se amenizando, e em seu lugar surgira uma absoluta indiferença por tudo e por todos. Em nenhum momento eu deixava, sempre por volta do meio dia, de ir contemplar as colorações avermelhadas do céu, sempre no mesmo local. Não que fosse somente naquele lugar que eu percebia a insidiosa invasão vermelha nas atmosferas, isso ocorria em todo o céu, invariavelmente, de acordo com meu julgamento perturbado. Porém, e realmente não sei o motivo, eu deveria observar o insólito fenômeno unicamente de lá.

Todavia, como dizia, deixei progressivamente de sair do local dominado pela profunda tristeza, e passei a sentir uma gélida indiferença que me fazia vagar o dia inteiro pela desolação de minha cidade, em seu calor absurdo, degradante, alimentando um desejo doentio e perverso de desprezar e rir de todos os infelizes que cruzavam o meu amaldiçoado caminho. Eu observava com uma frieza e uma ironia malignas aqueles homens e mulheres, todos desgraçados, todos miseravelmente perdidos. Era infinito o meu desprezo por aqueles doentes, vítimas das inúmeras epidemias que surgiram, fatais ou não; por aqueles mendigos estúpidos, aqueles refugiados dos desastres ambientais, que vieram com seu odiento desespero para minha cidade.

Amanhã, o final.



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