"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL
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"Agora Vou Lá. Tenho que Degolá-la." - FINAL


Não sentia a mínima piedade em vê-las beber as águas podres de um rio imundo, ou vendo que disputavam com cachorros pestilentos os restos putrefatos de comida dos montes de lixos. Nem mesmo as crianças que eram violentamente espancadas por outras crianças, ou as mulheres sendo estupradas nos cantos das praças despertavam em mim algum tipo de clemência. Que apodrecessem todos no inferno, para mim não faria a menor diferença.

Dessa forma degenerada vivi por mais alguns meses. Ia para casa, alimentava-me, realizava uma precária higiene pessoal e retornava para as ruas escaldantes, com o único propósito de debochar, de escarnecer com crueldade, de desprezar infinitamente todos os malditos que via diante de mim. E claro, quando se aproximava do meio-dia, sem me ausentar uma única vez, lá eu estava, naquele campo sombrio, contemplando hipnotizado, completamente dominado pelos nuances ominosamente avermelhados que percebia, ou acreditava perceber. E parecia ser tal tênue luz vermelha, que se derramava pelas atmosferas, que transmitia à minha psique alguma categoria de ânimo monstruoso, perverso, demoníaco.

Havia algo inexplicável naquelas opacas luminosidades rubras que me atraía fatalmente, e mais que isso, fazia fervilhar em meu interior toda a maldade que nele havia, todo o horror humano, a plenitude do lado negro que em mim se ocultava. Assim como a lava do planeta fervilhava, suas águas fervilhavam, evaporando-se, a atmosfera fervilhava em um calor insuportável, eu também fervilhava interiormente de perversidade. Seja lá o que for que ocasiona tudo isso, estou certo de que é algo catastroficamente maligno.

Afirmo-o com absoluta certeza, porque, desde ontem, tenho percebido uma alteração, para pior, em meu comportamento. Percebido e comprovado. Estou há mais de 72h sem dormir. Não sinto sono. Desde os dias em que era dominado pela indiferença, nunca mais tive os pesadelos a que me referi anteriormente, aliás, não tive nenhuma espécie de sonho, pelo menos não que eu lembre. E as minhas horas de sono foram se reduzindo gradativamente, a ponto de eu chegar a dormir apenas 10min a cada 24h.

Agora, cessei definitivamente de dormir. Mas jamais deixo de ir ao campo contemplar em estado de êxtase maligno, em uma maldita hipnose, aquela agourenta luz avermelhada. Hoje, após sair do local, fui tomado de um acesso de loucura. Sei que estou completamente louco, transformei-me em um monstro. Peguei uma enorme pedra que encontrei na rua e esmaguei sem dó o crânio de uma criança e de sua mãe, só porque escutei que a mãe falava para a menina em “manter a esperança” enquanto se alimentavam com as tripas de um gato.

Após ter cometido o ato, voltei para casa e tornei-me consciente do que fiz. Compreendi que fora um horror sem limite e sem perdão. Mas compreendi também que seria inútil me arrepender. No entanto, senti uma necessidade terrível de desabafar, de contar sobre minha doença, minha loucura, minha maldição, o meu desastre, o desastre de um filho de um planeta mergulhado em todos os desastres, enfim, seja lá o que isso for, como que para deixar em um maço inútil de papéis o que ainda resta de bom em mim. Se é que resta algo.

Mas agora, devo sair. Lá fora, na frente da minha casa, uma mulher raquítica está vomitando. Sinto um ódio diabólico ferver, fervilhar dentro de mim, e subindo como sobem os ferventes vapores oceânicos, esse ódio toma conta de todo meu ser.

Aquela imunda, vadia, filha da puta, sujando minha calçada com o fedor do seu vômito. Este machado deve servir. Agora vou lá. Tenho que degolá-la. E fazer guisado de sua carne aidética.




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