E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.II)
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E Aponto a Arma para a Minha Cabeça (Cap.II)


Carregando em meu interior a maldade de milhares de pessoas, pensei em qual seria o comportamento inicial de alguém com um caráter perfeitamente diabólico. E, friamente, determinei que eu deveria transmitir a todos uma aparência e uma sensação primordial de que eu era o melhor dos humanos, como até então todas as pessoas próximas a mim, com razão, consideravam-me. Não foi difícil, portanto, ser o mais hipócrita dos hipócritas.

Eu pregava a todos o amor, a paz, o altruísmo, a honestidade, enquanto o horror e o ódio fervilhavam em minha psique. Utilizando-me de minha inteligência calculista e de minha total falta de escrúpulos, fui galgando degraus na vida social, passando impiedosamente por cima de meus adversários, humilhando-os e prejudicando-os de todas as formas ao meu alcance. No entanto, sem jamais que alguém soubesse que eu era o responsável pelos atos abomináveis.

Assim, entrei para a vida pública, mentindo descaradamente, não perdendo oportunidades de ser desonesto, acumulando bens materiais pelos meios mais escusos. Tornei-me um perfeito corrupto: um ladrão irrepreensível. Roubava o máximo que podia sem despertar a mínima suspeita.

Quando reuni um montante de dinheiro que julgava suficiente, abandonei minha carreira para dedicar-me plenamente à maldade e à depravação. Então pude finalmente retirar minha máscara hedionda de hipocrisia e ser descaradamente mau. Esmaguei todos os sonhos e ideais de nobreza e dignidade que um dia nutri em meu ser, desisti definitivamente de encontrar o verdadeiro amor em uma mulher e lancei-me a mais extrema e absurda promiscuidade. Participei das piores orgias, chafurdei em todas as lamas, pisei sem pena nos corações de todas as mulheres que diziam me amar. Explorei-as sexualmente, para logo depois as desprezar como um monstro, ridicularizando-as e debochando de seus sentimentos. Eu nunca acreditei que alguma delas realmente me amasse, e o que nutria por todas era um profundo e amargo ódio.

Viciei-me em todos os vícios, experimentei todas as drogas e influenciei para que o maior número de pessoas fizesse o mesmo que eu. Desestimulei todos os ideais, todos os pensamentos nobres, todos os sentimentos elevados. Desprezei todas as manifestações verdadeiras da arte para cultuar o que havia de mais imundo.

Tornei-me um consumista irrefreável, consumia tudo o que me era possível, desperdiçando o máximo que podia os recursos naturais. Com um prazer infinito, eu jogava lixo nos rios, queimava produtos de fumaça tóxica com o intuito único de poluir o ar. Eu agredia árvores e plantas e torturava animais sem a mínima clemência. Caçava sempre que podia apenas para ter o prazer de ver o animal morrendo. Enfim, eu queria simbolizar o mal da humanidade em todos os sentidos, em todas suas possibilidades, desejava levar a cabo a plenitude da malignidade que existia no ser humano.

Eu sentia-me na obrigação de ser perverso. Eu invejava, cobiçava, odiava, não porque isso aflorasse em mim naturalmente, mas porque eu assim desejava. Porque esse era o desejo das sombras dentro de mim, e o desejo delas era o meu. Eu buscava realizar-me a fundo dentro da vastidão do mal. Era como uma missão que eu devesse cumprir. E estou certo que eu a estava cumprindo. Com méritos. E isso me enchia da mais ominosa vaidade, do mais perverso orgulho.

E que deleite eu sentia em humilhar todos os que se aproximassem de mim. Eu os ridicularizava pela feiura de seu aspecto físico, ou pela sua falta de inteligência, ou por ser gordo, por ser negro, por ser pobre, por ser deficiente físico, enfim, eu sempre encontrava um motivo para humilhar os outros, para utilizar-me de meu devastador deboche.

Eu tinha uma especial predileção por ridicularizar todas aquelas pessoas que ainda possuíam, ou pensavam possuir, algo de profundo, de ideal, de nobre em seus corações. Jogava-lhes na cara o quão eram imbecis em crer em algo elevado, o quanto tudo isso era inútil e anacrônico, e que estavam desperdiçando suas vidas em quererem ser “grande homens”. Meus olhos brilhavam ao ver aqueles jovens enfurecidos ou desolados por eu ter pisado nefastamente em todos os seus sonhos, seja de grandeza, de dignidade ou de amor.

Quando percebia que meus recursos financeiros estavam se reduzindo, para não ter que trabalhar ou ganhar dinheiro de alguma maneira honesta, eu formulava uma maneira de enganar os incautos e roubar-lhes o máximo que pudesse. Alguns dos procedimentos de que fiz uso foi emprestar certas quantias a juros exorbitantes e associar-me ao tráfico de drogas. Porém, o mais eficaz para obter imensas somas de dinheiro foi utilizar-me de minha antiga convivência na vida pública com os mais distintos políticos. Eu os chantageava. Sim, porque eu sabia de muitas coisas e poderia denunciá-los, caso não fosse devidamente recompensado. Isso se tornou para mim uma fonte inesgotável.

Uma satisfação indescritível eu sentia correr pelas minhas veias quando eu via nos noticiários todas as abominações, todos os horrores, todos os absurdos que assolavam a humanidade nos quatro cantos do planeta. Assassinatos, genocídios, corrupção, violência e exploração de todas as espécies, vícios, devastações impiedosas, poluições nunca vistas, massacres de animais, os crimes mais monstruosos, as degradações mais repulsivas, a injustiça, a fome, as doenças, a miséria, as catástrofes ambientais, a desigualdade, o reinado do egoísmo, o império da aparência, todas as atrocidades que diariamente bombardeiam nossos olhos eram para mim um colírio que me enchia de alegria. Eu me regozijava em saber que em um mundo cada vez pior, eu era o pior dos humanos.

(Amanhã, o capítulo final)



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