A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.II
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A Doença da Luz (ou O Relato de Carlos Walter Mann) - Cap.II


14 de maio de 2024 – Esses dois meses que passaram foram decisivos no desenrolar da catástrofe e deram-me uma visão absolutamente desesperadora do que acontecia com a humanidade. Definitivamente, já não existia uma civilização. Não, não voltamos à barbárie. Antes tivéssemos voltado. Na verdade, involuímos de forma absurda para um estado de degradação inimaginável, o mundo via aflorar o lado mais negro e diabólico do ser humano, e eu pensava desolado no que estaria acontecendo naqueles instantes ao redor do mundo...

Como qualquer tipo de comunicação à distância era impossível, inclusive deslocar-se com veículos automotivos, cujas baterias não funcionavam, eu não podia mais saber o que estava sendo feito para a solução da tragédia, se é que alguma coisa poderia ser feita. O que a ciência poderia fazer, como poderia construir qualquer nova tecnologia que não dependesse de eletricidade se todas as máquinas necessárias para tanto só funcionavam com eletricidade? Não havia saída para a civilização.

Eu e minha esposa estávamos isolados e com medo. Havíamos consumido quase todo nosso estoque de alimentos. Onde obter mais? E como conservar alimentos sem geladeiras? Felizmente, o inverno se aproximava, e com o frio, a necessidade de refrigeradores seria menor. Mas precisaríamos de mais calor, de mais fogo. Deveríamos obter mais gás. Era imperativo voltar à cidade. Sim, porque vivíamos um pouco afastados dela. Nossa casa situava-se além do perímetro urbano, possuíamos uma pequena propriedade onde cultivávamos um vasto pomar e plantávamos alguns legumes e verduras, além de criarmos frangos. No entanto, tanto eu como Carolina trabalhávamos na cidade em nossos respectivos empregos, que haviam sido suspensos pela falta de energia.

Em minha última visita à cidade, há menos de um mês, a maioria dos estabelecimentos comerciais haviam fechado suas portas, ou por falta de fornecedores ou por medo dos saques. A população, já perdendo seus empregos e sem dinheiro, não tinha alternativa, a não ser saquear os mercados para a obtenção de alimentos. Mesmo assim, eu deveria ir à cidade na esperança de encontrar o que nos faltava e conseguir mais gás. Felizmente, eu possuía uma pequena carroça e um cavalo. Foi o que possibilitou minha pequena viagem.

15 de maio de 2024 – No início da tarde, parti em direção à cidade. Por precaução, levei comigo uma arma de fogo. Conforme me aproximava da zona urbana, um cenário de desolação verdadeiramente apocalíptico ia se desenrolando. Eu via casas em ruínas, automóveis destruídos, pessoas e animais mortos às centenas pelas ruas imundas, abarrotados de todo tipo de lixo e sujeira. O mau cheiro da podridão infestava minhas narinas. “Meu Deus!” pensei comigo, “a ausência da eletricidade causou todas essas tragédias em tão pouco tempo?” E passei a imaginar os horrores que poderiam estar assolando o mundo naquele exato momento... Continuei avançando pelo que parecia ser o cenário de uma guerra. Não podia dizer como, mas acreditava que toda ou quase toda população da cidade estava morta ou desaparecida. O cavalo abria caminho por entre cadáveres, e os únicos seres vivos que eu via, além das plantas, eram alguns gatos, cachorros e aves perdidos por entre a destruição.


Avistei o que havia sido um supermercado. Peguei a arma e entrei. O mercado fora saqueado, mas ainda pude encontrar alimentos enlatados e em conserva, bem como alguns pacotes de velas. Rapidamente, saí do mercado e dirigi-me até o depósito de gás. Ainda consegui encontrar três bujões intactos. Preocupado com a segurança de minha esposa, tomei o caminho de volta. Por entre os mortos, eu tentava desesperado entender o que estava acontecendo com a humanidade. O que ocorrera com a população de mais de 50 mil habitantes da cidade onde eu vivia? E enquanto refletia inutilmente, alguém surgiu por detrás de algumas árvores. Era um homem com aspecto de mendigo. Quando me avistou, partiu em minha direção numa corrida desvairada. Parecia enlouquecido. Peguei a arma, estava pronto para atirar. Porém, antes tentei interrogá-lo, saber quem era, o que estava acontecendo. Foi inútil, parecia não me ouvir. Ele se acercou da carroça ameaçadoramente. Matei-o com um tiro na cabeça.

Alarmado com o ocorrido, temi pela vida de Carolina. Fui para casa o mais rápido possível. Para meu alívio, ela estava bem.
(Continua...)




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