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As Almas do Fantástico na História do RS – História 6ª: O Último
O crepúsculo caía lento. Mas parecia mais denso, mais dramático, mais carregado que o normal. Atravessando aquele imenso campo ancestral que parecia infinito, inexplicavelmente fui invadido por uma estranha tensão. Deveria chegar à fazenda antes que anoitecesse completamente. Apressei o passo.
Uma gigantesca mata surgiu diante de meus olhos cansados, quando atingi o alto da coxilha. Um lindo espetáculo se descortinou, um bosque de um verde puro e intenso, com imensas árvores frondosas, algumas delas paradisiacamente floridas. Porém, a tensão, o insondável nervosismo que me afligiu sem que eu encontrasse uma explicação plausível para ele não se arrefeceu, pelo contrário, ele se intensificava mais e mais.
Deveria atravessar a mata e, mas adiante, o riacho que nela se ocultava, para atingir o outro lado e, finalmente, chegar ao campo que me levaria à fazenda. O sol ainda brilhava, mas não poderia perder tempo. Caminhei rápido em direção à mata e penetrei em sua beleza deslumbrante e misteriosa, sentindo que o pulsar de meu coração tornava-se mais célere. Minha inquietação era sobremaneira anômala. Anômala porque não era a inquietação natural, compreensível, de quem entra em uma mata fechada sem saber exatamente o que ali poderá encontrar, correndo o risco de entrar em contato com serpentes e outros animais perigosos. Minha inquietação relacionava-se com algo que me parecia bem mais ameaçador e enigmático, que eu não saberia dizer a mim mesmo o que poderia ser. Sentia apenas uma sombria intuição, um pressentimento angustiante, como se alguma coisa de anormal, de sobre-humano, estivesse para acontecer.
Todavia, eu não tinha outra saída, a não ser entrar e atravessar toda a mata. Obviamente, ao fazê-lo, minha cautela era enorme. A rapidez com que caminhava pelo campo deu lugar a um avanço muito lento por entre a vegetação fechada do bosque. Conforme penetrava na mata de árvores imensas e regada de arbustos, trepadeiras e plantas rasteiras, meus receios e angústias inflamavam-se.
Cada local em que pisava era por mim observado com extrema atenção. Dirigia meus olhares para todos os lados, para o alto das árvores, para seus galhos, na terrível expectativa de avistar algum perigo em potencial. Porém, atingi o riacho sem nada divisar de ameaçador, vi tão somente alguns animais inofensivos.
Atravessei o belo e pequeno rio em um trecho onde ele era bastante raso. Poderia ter aproveitado melhor aquelas agradáveis e límpidas águas, no entanto, minha tensão não me permitiu. Nervoso, já na outra margem do rio, ainda com muita cuidado, ia entrando novamente na mata, quando senti dolorosamente que algo espetou meu antebraço esquerdo. Havia cravado um enorme espinho que se aprofundou em minha pele. O espinho era de um alto arbusto de uma espécie para mim desconhecida. Retirei-o de meu braço, e o sangue escorreu abundantemente. Senti então uma febre no local e uma leve tontura, e imediatamente imaginei que poderia haver no espinho alguma substância tóxica. Como a tontura não passava, sentei-me na margem do rio, sobre algumas pedras, não poderia prosseguir naquele estado.
Creio que alguns minutos após sentar-me, ainda levemente tonto, principiei a ouvir um som estranho advindo da outra margem. Voltei-me para ela e lá e contemplei um homem sentado nas pedras que apresentava um grave ferimento no peito, o qual sangrava abundantemente. O homem era, sem dúvida, um indígena, um típico índio, aliás, que eu nem sequer suspeitava que pudesse existir por aqueles campos, não obstante eles terem sido habitados por povos indígenas pampianos há séculos.
O índio era jovem, não devia ter mais que 25 anos de idade.Vestia somente uma calça de estilo bastante antigo. Da cintura para cima, o índio estava nu, e os seus pés, descalços. Possuía uma aparência aguerrida e robusta, um rosto de traços fortes e duros e um corpo aparentemente bastante possante. Porém, demonstrava uma profunda extenuação, quase uma agonia. O lado direito do seu peito trazia um considerável buraco, o qual, tudo indicava, fora feito a bala.
O seu sangue jorrava incessante, derramava-se por todo seu corpo e misturava-se às pedras, à areia e à água do rio. Sua respiração começava a ser estertorante. Levantei de onde eu estava e tentei, ainda que com muito receio, aproximar-me para ajudá-lo:
- Não, não te aproximas. Se vieres perto de mim, te mato! Pra isso ainda tenho forças.
A voz do índio, apesar de fraca e quase soluçante, era expelida com uma intensa determinação, a qual assustava, pois se combinava com um olhar firme, fulminante, enfebrecido. Seu sotaque soava bastante estranho, porém compreensível. Detive-me e retorqui:
- Mas assim como estás, vais morrer. Precisas de ajuda.
(Amanhã, o final - Na imagem, o quadro "Moema", de Victor Meirelles)
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