E fez-se, então, a minha vontade...
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E fez-se, então, a minha vontade...


Desde aquele dia eu jurei vingança. Uma vingança lenta, calculada de forma absolutamente perfeita. Extremamente fria e insidiosa. Sem reações imediatas, sem impulsos violentos. Uma vingança como devem ser as vinganças grandiosas.

Meu primeiro passo foi me infiltrar entre eles silenciosamente. Como se eu não estivesse entre eles. Não chamando a atenção ou desviando a atenção para outros pontos não relacionados (ou que não se consiga estabelecer alguma relação). Foi assim que me infiltrei. Eu era como um nada. Infiltrar-se é desaparecer sabendo estar-se conscientemente. E eu fiz desse desaparecimento o ponto de onde partiam todas as determinações. O detalhe fundamental é que ninguém percebia tais determinações como sendo determinações. Pois elas não podem vir de algo que não estava ali. Eu não estava ali. A não ser para mim mesmo.

Meu plano era tornar minha vontade soberana sem que ela fosse percebida como tal. Aos poucos, extremamente aos poucos (a paciência é a tutora da vingança), fui convencendo todos de como eles deveriam pensar. Sem que ninguém soubesse quem orientava seus pensamentos. E a melhor maneira de dominar o que alguém pensa não é atuando diretamente sobre o centro intelectual, mas sobre o centro emocional. Eu agi sobre os sentimentos daquelas pessoas. O ser humano, uma vez tocado em suas emoções, torna-se suscetível a mudanças de pensamento. Suas estruturas psíquicas se abalam. Então, é relativamente fácil convencê-los do que se pretende. Para se emocionar alguém, deve-se dizer aquilo que esse alguém quer ouvir. E exaltá-lo. Exaltar todas as suas características admiráveis, exagerando sempre, omitindo os defeitos, e até inventando algumas qualidades que ela acha que possui, ainda que em verdade não possua.

A mentira. A mentira é a base de toda dominação. Mas nunca a mentira isolada. Para se convencer alguém de alguma coisa com real eficiência é preciso dizer-lhe verdades que ela quer ouvir, verdades agradáveis, e mesclá-las com pequenas mentiras, a princípio, aparentemente inofensivas. Mentiras que se relacionem com as verdades ditas. De forma que não parecerão ser mentiras. Mas serão essas pequenas mentiras que, crescendo sem limites, estabelecerão o ponto de mudança nos pensamentos. Por isso as mentiras devem ser perfeitamente calculadas para que atinjam o objetivo desejado. Foi exatamente o que fiz.

Eu nunca proferi uma mentira por si só. Antes de mentir, eu pensava naquela verdade mais agradável para ser dita, alguma que fosse óbvia, inquestionável, de fácil assimilação e comprovação e que enaltecesse a inteligência, a sensibilidade, a profundidade de meu interlocutor. Hipocritamente, é claro. Tal verdade agiria sobre seu centro emocional. E essa verdade agradável sempre o deixava de tal forma contente e satisfeito que ele sempre cooperava comigo. Mas cooperava sem saber que o fazia. É nesse ponto que entravam as mentiras. As mentiras intimamente conectadas com as verdades faziam com que meu interlocutor imaginasse que os pensamentos que estavam sendo introduzidos por mim em sua mente eram na verdade dele próprio. E as mentiras sempre eram aceitas, uma vez que não era possível desconectá-las das verdades. Eu fazia com que fossem uma coisa só, um monstruoso organismo vivo com belos olhos sedutores. Aliás, as pessoas nem se preocupavam em comprovar a veracidade das mentiras, das ilusões, dos enganos. Afinal, aquelas sedutoras mentiras estavam arraigadas a verdades tão claras... Para que se dar ao trabalho de comprová-las? E talvez tal comprovação nem fosse possível. E as pessoas nem desejavam fazê-lo, uma vez que estavam plenamente satisfeitas.

É ostensível que nunca necessitei convencer a todas aquelas pessoas diretamente. Uma vez devidamente infiltrado entre eles, procurei os indivíduos que eram mais psiquicamente influenciáveis, e, ao mesmo tempo, que exercessem alguma importante influência entre os demais. Encontrei então a pessoa ideal para agir sobre seus centros emocionais e intelectuais. Foi a primeira a ser convencida, que passou a convencer outras que, por sua vez, convenciam mais outras e assim sucessivamente até o infinito... Porém, é importante salientar que esta pessoa por mim convencida jamais se sentiu dessa maneira. Eu jamais poderia, na sua mente, tê-la convencido de nada. Como eu disse, eu mesmo não era nada, eu não era ninguém. Ninguém sabia da minha presença entre eles. Eu era apenas mais um. 

(Amanhã, o final do conto.)



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