O Homem Correto (Final)
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O Homem Correto (Final)


Também não deveria sair mais com meus amigos. No fundo, não eram meus amigos, eles sabiam. E eu deveria sentir-me grato por eles estarem agora me alertando, antes que fosse tarde demais. Antes que eu me perdesse e me transformasse em um ser inútil, absolutamente improdutivo para a sociedade. Exclamei que sim, que minha gratidão era infinita, e lembro que chorei ao telefone as mais sinceras lágrimas. Então se despediram, muito polidamente, lembrando das severas punições em caso de desobediência e acrescentando que no dia seguinte eu receberia algo muito importante. Seria um manual, uma cartilha de como encontrar bons amigos. No final da cartilha, haveria uma breve lista com nomes, telefones e endereços de pessoas que seguramente seriam ótimos amigos para mim. Eu deveria procurá-los o mais rápido possível. Poucas vezes senti-me tão feliz em minha vida.

Certo dia, estava eu em um shopping, experimentando roupas em um provador de uma loja. Enquanto vestia a camiseta que provavelmente levaria, escuto um som de respiração, como se alguém estivesse muito próximo a mim. No meu lado esquerdo havia uma cortina. Parecia ser detrás dela que o som provinha. Abri-a. E ali estavam eles. Logo, declararam que estavam me observando, através de um pequeno orifício na cortina, enquanto eu experimentava as novas roupas. E, com um ar de profunda gravidade e decepção, que me estremeceu, disseram-me que não gostaram nem um pouco das roupas que eu estava pretendendo comprar. Eu não estava os agradando dessa forma. As roupas não combinavam comigo, garantiram, não podiam combinar. Elas não me deixariam melhor como pessoa. Eram de muito mau gosto. Exclamei, bastante envergonhado, que, fosse como fosse, era o meu gosto pessoal.  Eles não quiseram saber. De súbito, retiraram de seus paletós várias sacolas, cada uma com uma peça de roupa diferente. Disseram-me que, a partir daquele dia, para o meu próprio bem e crescimento individual, deveria usar aquelas roupas. E sempre que eu fosse comprar vestimentas novas, deveriam ser naquele estilo e com aquelas cores. Qualquer dúvida, deveria consultar um manual, uma cartilha de bem vestir-se que eles deixariam com a gerente da loja. Em caso de desobediência... eu já sabia. Claro que as roupas que eles me deram não eram de graça. Paguei por elas.

Levei-as comigo e experimentei-as somente em casa. De início, foi um choque. Senti-me verdadeiramente ridículo. Aquelas roupas não tinham nada a ver comigo. Porém, mantive firme minha força de vontade e segui as usando. Fui trabalhar com elas. Percebi que todos me olhavam na rua com sorrisinhos mal disfarçados e troçavam de como eu estava me vestindo. Mantive-me altivo e não dei atenção. Idiotas, pensei, que não sabem de nada. Se eles me garantiram, é porque assim eu estou bem melhor. De modo que os dias se passaram, segui usando aquelas roupas, adquirindo outras que não fugissem àquele estilo, e, ao fim das contas, nunca me senti tão bem vestido.

As semanas, os meses, os anos foram seguindo seu curso, e, de tempos, em tempos, eu os encontrava na rua, ou em algum local público, ou em meu trabalho, ou eles vinham até minha casa, com o nobre intuito de me transmitir mais instruções de como eu deveria viver, a melhor forma de se viver. E eles aproveitavam tais ocasiões para me inquirir. Desejavam saber se eu estava cumprindo com todas as determinações que me foram outorgadas. Garanti que sim, simplesmente porque era verdade. E mesmo que eu quisesse mentir, seria uma catástrofe, porque eles sempre sabiam de tudo. E então, com a mentira, a punição seria triplicada. Questionavam-me apenas para verificar o meu nível de sinceridade. É óbvio que jamais os decepcionei, nunca deixei de os agradar, sempre agi e me comportei de acordo com o que esperavam de mim, esforçava-me, em suprema abnegação, em mantê-los plenamente satisfeitos. Afinal, eles estavam sempre certos, a razão estava sempre com eles, suas opiniões eram as mais corretas, seus gostos, os mais perfeitos, suas ideias, as mais brilhantes. É assim, que posso fazer?

As últimas instruções que recebi referiam-se a uma lista das mulheres que eu poderia namorar e, posteriormente, casar-me. Não era uma lista longa, havia ali apenas cinco mulheres. Também não eram muito bonitas. No entanto, em hipótese alguma eu poderia escolher para namorar alguma mulher que não estivesse na lista. A punição seria impiedosa.  Como deve ser, para que nos mantenhamos na linha. Ainda estou escolhendo qual delas será. Uma vez escolhida, não posso mais trocar. E a moça deve me aceitar em namoro. Ela não tem escolha. E é melhor realmente que não tenha, daria muita confusão. São as leis, justíssimas, para o nosso próprio bem.

É claro que desde que os conheci, minha vida tem se tornado difícil. Mas eu não reclamo, eu não protesto, jamais me rebelo, nunca questiono. Por que o faria? Sei que tudo o que eles fazem, os sacrifícios por mim e por tantos outros, todas as suas instruções, regras, ordens e disciplinas constituem um esforço tenaz em me tornar um exemplo de cidadão, um bom homem em todos os sentidos, cumpridor de seus deveres, um indivíduo correto, que conhece o seu lugar e as suas responsabilidades, que vive sua vida dentro da lei e da ordem estabelecidas e que, apesar de todos os percalços, é um homem satisfeito e bem sucedido.

Lembro que certa vez um antigo amigo, que, graças, nunca mais o vi, perguntou-me: “Mas como assim, eles decidem tudo por ti e tu achas bom?” Eu, sereno, limitei-me a responder: “É claro, por que não acharia, se assim sou feliz?”




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