O Homem que Tinha a Razão
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O Homem que Tinha a Razão



Naquela tarde, concluí minha grande ideia revolucionária. Senti-me, então, preparado para conduzir a humanidade a um novo estágio na evolução. Sei que sou o homem correto para isso. Não que eu me considere um ser superior aos demais (não declaradamente, uma vez que conheço o imenso valor da modéstia, porque intimamente estou absolutamente seguro de minha superioridade), mas adquiri, através de longos anos de leituras e estudos os mais diversos e aprofundados, o conhecimento necessário para transmitir a verdade e a sabedoria a toda a humanidade.

O mais dificultoso em minha heroica tarefa foi determinar, entre tantos autores, escritores, gênios, artistas aqueles que apresentavam uma parcela da verdade e os que não sabiam de absolutamente nada. Necessitei ler muito, incessantemente. Lembro que em um ano devorei exatamente 191 livros. Minha capacidade de entendimento, e é mister que se diga a bem da justiça, é simplesmente fantástica. Um livro que um escritor levou cerca de 10 anos para escrever, vivenciando-o, sou capaz de entendê-lo quase que completamente em apenas 24h. De forma que pude ir determinando com absoluta e inquestionável segurança quais obras deveriam ser lidas e estudadas, no sentido de que seriam as únicas que nos ensinariam o correto, o universalmente correto, e quais obras deveriam ser descartadas por estarem completa ou parcialmente equivocadas ou por não acrescentarem nada à verdadeira sabedoria.

Preparei, com infinita paciência, esforço e dedicação, uma lista de todas aquelas obras literárias e filosóficas onde se pode encontrar a verdade. E mais: foi-me possível determinar com cirúrgica exatidão os trechos onde se encontrava alguma parte da verdade e os trechos onde ela já não estava tão presente. Foi um tremendo sacrifício, martirizei-me lendo sem parar e analisando livro sobre livro, mas valeu a pena, tendo em vista a imperiosa necessidade de minha missão.

A lista ainda não foi divulgada, mas o será em breve. Sim, porque não posso permitir que as pessoas continuem lendo escritos insensatos, fantasiosos, absurdos, que não dizem absolutamente nada, que não tratam do que é a verdade, do que é são, palpável, correto, do que é o real. Não posso permitir que pensem o que não deve ser pensando, que sintam o que não deve ser sentido, que elaborem conceitos, opiniões, ideias equivocadas, que não estejam de acordo com a exata visão de vida, que condiz, naturalmente, com a minha visão, uma vez que fui capaz de entendê-la e alcançá-la como nenhum outro homem, conforme está provado pelas opiniões irrefutáveis que tenho emitido sem jamais cometer o mínimo equívoco. Ou qualquer equívoco digno de nota, ao menos.

Através de minha missão histórica, finalmente, poderei estabelecer a minha opinião como a única universalmente aceita, que deve e pode ser aceita sem margens de erro, pois a terei comprovado de maneira definitiva, peremptória, através da validação irrefutável dos autores que concordam comigo. Sim, porque há muitos livros que foram escritos, conscientemente ou inconscientemente, para que a humanidade atingisse o grau de evolução atual do qual eu sou o responsável por, finalmente, estabelecer. E há muitos livros que foram escritos para que não atingisse. Existem obras perversas, daninhas, errôneas, que desejam nos levar à ignorância, como é o caso de muitos poetas degradantes.

Fui incumbido de determinar aos homens o que eles devem ou não ler e, assim, conhecer somente a verdade e tão somente a verdade, nenhuma outra baboseira escrita por algum suposto gênio, ou mesmo gênio em seu campo, mas que deve ser deixado de lado porque, segundo meu infalível julgamento, não nos acrescenta nada em termos de desvendamento da vida e do universo.

Vibro em pensar que em breve, muito em breve, toda opinião equivocada, fruto apenas de imaginações superexcitadas, deixará de ser emitida, qualquer pensamento em desacordo com o que justíssima e eternamente compreendi será banido, qualquer sentimento sem uma base racional que condiga com a minha, ainda que tido por verdadeiro, por mais belo e sincero que seja, não mais atrasará a humanidade rumo à Verdade (sim, em maiúsculas, pois eu tenho a Verdade das verdades).

Então, a humanidade saberá tudo o que deve saber, e tão somente o que deve saber, e eu serei coroado, como há muito já deveria o ter sido, o Grande Sábio Mor. E não haverá mais espaços para divagações absurdas, para fantasias impossíveis ou para sonhos de mentes doentias criadoras de castelos aéreos.

Imaginem se todos pensassem como eu penso, tudo estaria resolvido, e que mundo maravilhoso teríamos...





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