A CONSTRUTORA DE MEMÓRIAS
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A CONSTRUTORA DE MEMÓRIAS


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Margarida Cepêda, Solo mineral para violino
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Fora educada no esforço, na abnegação, a recompensa acabaria por dar à costa. Lutou, desesperou das cunhas dos outros, mas insistiu, insistiu sempre. Nunca se dava por vencida. Pouco a pouco, contra ventos e marés, fora marcando pontos, o sucesso, qual tela em permanente ebulição, começara a ganhar contornos.
O transpor das metas, no início, era pura adrenalina, mas, às tantas, deu-se conta do labirinto. Uma meta nunca era um final, era sempre um início. De outra corrida, de outra meta. E assim se consumiam os dias.
Num dia de chuva, em luta contra o destino, deixou para trás a aura de sucesso, que lhe ofuscava a noção do tempo, e lançou-se à estrada. Na bagagem, para além de "Memórias de Adriano", que nunca acabara de ler, transportava a memória do verdejante vale onde passava, em pequena, as férias com os avós. Não se sentia completamente segura da sua opção, mas agir estava-lhe no sangue. E, no mais fundo de si, acreditava. 
A certa altura deixou a auto-estrada e embrenhou-se na velha estrada nacional, agora quase sem trânsito, memória serpenteante da sua meninice. Abrandou a marcha, abriu o vidro e, enquanto conduzia, deixou-se absorver pela afável presença de pinheiros, carvalhos e castanheiros. Quando chegou ao alto da Portela, porta fronteiriça do mágico vale, parou o carro. Saiu, devagar, dando lastro a um acto cerimonial que a transcendia, e  deixou que olhos e alma se irmanassem, em perfeita sintonia, perdendo-se no deleite da redescoberta. Ao fundo, eterno gigante adormecido talhado em granito, a Estrela enquadrava uma enorme tela sarapintada de árvores, casario e terrenos de cultivo. Começou a procurar a velha casa de granito, que mandara recuperar, não muito longe do rio que recolhia as águas das duas serras. Lá estava ela, minúsculo ponto que iria ser o epicentro da sua vida. À esquerda, aproveitando um ligeiro declive apontado ao sol, iria plantar vinha. À direita, perto do ribeiro que ia desembocar, um pouco mais à frente, no grande rio, parecia ser o local certo para as estufas de framboesas e mirtilos. E ainda havia planos para um olival, para além duma pequena horta...
Regressou ao carro e começou a descer em direcção ao vale. Os castinçais davam agora lugar a milhares e milhares de cerejeiras, prenhes dum delicado branco que em breve iria pintar a encosta. Uma ou outra mimosa, já em flor, dava-lhe as boas-vindas. 
Era impossível não sorrir. Em território de gratas memórias, a apelar à renovação, as de Adriano, pelos vistos, teriam que continuar a aguardar.
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