ADEUS, PRETINHA!
Textos e Mensagens

ADEUS, PRETINHA!


.
.
.
.
Ela não andava bem. Ainda se tocou a rebate, mas as raízes do tumor mamário já eram demasiado fortes. E a Pretinha acabou por se apagar. 
Hoje, logo pela manhã, a enxada exercia o seu mister, compassada, activando memórias que, por si, se auto-seleccionavam na complexa combustão da razão com a emoção. A cova ia-se aprofundando, mas a facilidade inicial fora sol de pouca dura. O terreno, fiel à filosofia dum Inverno nada pluvioso, recusava-se à ideia de fundo, e estoicava-se numa coriácea resistência. É que os equilíbrios não se manuseiam de acordo com a vontade do esforçado aprendiz, são matéria sensível avessa a qualquer atalho de circunstância. Mas a causa era forte, e insistir era necessário. Por mais que doesse.
O tempo decorria, indiferente ao drama da relação da enxada com o terreno duro, e apenas uns baldes de água iam apaziguando a convivência da (im)possibilidade das coisas. As memórias, ainda em carne viva, alimentavam a convicção, e a tarefa lá se ia cumprindo. O tempo deixara de existir no desfilar de imagens da Pretinha, incondicional companheira de tantas horas. E foram tantas! Não usava turbante, aquela louca schnauzer gigante, mas era certeira na leitura de alegrias e tristezas, e para qualquer delas disponibilizava uma ternura única. Sabia seduzir, a Pretinha, socorrendo-se apenas da naturalidade das coisas. Estou aqui, conta comigo. E estava sempre.
O tocar do telemóvel desvaneceu imagens e emoções. Era da clínica, onde ela tinha passado a sua última noite de vida, e só nessa altura a ditadura do tempo se impôs. Desde que a enxada iniciara o seu ritual, o sol já tinha galgado três horas no seu galopar. Estava na hora de ir buscar a Pretinha. A terra aguardava-a.
Enquanto a enterrava – não interessa o porquê, mas tinha que ser eu, mas é duro, muito duro – alguns pensamentos, daqueles que não pedem autorização para assomar, chegavam-se à frente. Para lá do choro, momento único de expurgação, a morte, para o observador atento, é sempre uma tentativa de reconciliação com a vida. Não é ela, em si, uma forma única?
No final, flores silvestres para a Pretinha. Ela gostaria.
 .
.



loading...

- O Elogio Das Pausas - Ii
. A terra, preparada há já alguns dias, aguardava pela sementeira das favas, das ervilhas e dos alhos, mas o tempo parecia não querer ajudar. Lembrou-se, eterna imagem, do constante olhar dos agricultores para os céus, cientes do capricho dos deuses...

- O Elogio Das Pausas
. . A terra estava macia, fácil de revolver, piscando o olho à empreitada. O aprendiz, iludido pela aparente facilidade, foi cavando, cavando, enquanto enterrava as folhas, já desbotadas, caídas das muitas árvores que por ali havia. O último resquício...

- O Bilhete
.. . Júlio olhava pela janela. Em frente, na pastelaria, algumas pessoas tomavam a bica ao balcão a olhar para o relógio. Na esplanada, indiferente à pressa geral, um casalinho gozava os raios de sol de um Verão tardio, enquanto deitava uns grãos...

- SÁbado
.. . Depois de ter a cova pronta, pegou num pouco de adubo e colocou-o no fundo. Pôs-lhe uma camada de terra por cima, para não queimar as raízes da jovem árvore, outra camada de folhas secas, e só então, com todo o cuidado, colocou a pequena cerejeira...

- O Bilhete
.Joaquim olhava pela janela. Em frente, na Pastelaria Arco-Íris, algumas pessoas tomavam a bica ao balcão a olhar para o relógio. Lá fora, na esplanada, indiferente à pressa geral, um casalinho gozava os raios de sol de um Verão tardio, enquanto...



Textos e Mensagens








.