O mal-estar causado pela assinatura do Acordo de Concertação Social não pára de aumentar. E, à medida que se conhecem os itens do documento, as baterias apontadas ao eng.º João Proença são cada vez mais. Torres Couto, fundador da UGT, afirmou que o acto é "suicidário" e que aquela central caminha para a dissolução. E sindicatos e sindicalistas afins não param de criticar, por vezes acerbamente, o que entender ser uma capitulação de Proença. Este, claramente irritado, tem procurado defender-se com argumentos tão irracionais como idiotas, mas o que está em causa deita por terra qualquer tentativa de justificação.
O dr. Passos Coelho subiu ao palco e disse, entre outras banalidades e omissões, que se estava em presença "de uma grande coligação social." Não é assim. O primeiro-ministro não aceita as evidências e quer enganar quem? Com a saída da CGTP, o desenrolar dos acontecimentos são de molde a preocupar. Menos de vinte e quatro horas depois, uma manifestação de descontentes gritou a sua cólera perante o edifício do Parlamento. "E isto não vai parar!", exclamou Carvalho da Silva, que vai deixar o lugar de secretário-geral da CGTP, por exigências estatutárias, e ser substituído por Arménio Carlos.
Claro que apareceram aduladores do documento. Os mais despropositados foram o dr. Tavares de Miranda e o também dr. Braga de Macedo, recuperados de um limbo onde muito bem estavam. O dr. Miranda discreteou acerca das inabaláveis virtudes de um texto, cujos objectivos salvíficos são comoventes. Parece que a pátria estava em perigo de soçobrar, não acontecesse a assinatura singularmente patriótica do eng.º Proença. E o dr. Braga, sempre muito inteligente, exautorou as declarações de Torres Couto, de quem disse ser muito amigo, fora o despautério daquele absurdo "radicalismo"; ou foi "fundamentalismo" o que disse?
O facto é que o "acordo" é um texto beligerante, que desfere golpes terríveis em muitos avanços sociais do mundo do trabalho. A Imprensa tem enumerado a lista e chega a ser sórdido o que patrões e governo querem fazer com o apoio sorridente do eng.º Proença. Este, desasado e sem saber onde se meter, culpa os jornalistas. Os jornalistas são culpados de muita coisa; mas de esta, não. O eng.º Proença cumpre, aliás, o desígnio histórico que tem caracterizado o seu trajecto e o da UGT. Não vale a pena cauterizar velhas feridas fazendo ressurgir histórias ignóbeis. Mas cada um come do que quer e a mais não é obrigado.
A verdade é que as ambições patronais foram obtidas, com a conivência de UGT, e não há volta a dar ante as circunstâncias. O escarmento de que o eng.º Proença é alvo não é injusto: ele assumiu as responsabilidades de fazer o que fez, num momento particularmente dramático da sociedade portuguesa e, em especial, da classe trabalhadora. Porque é esse o caso. Todos nós, os que trabalhamos, operários, jornalistas, professores, mecânicos, motoristas, vamos ser atingidos pela onda avassaladora de uma série de iniquidades de que a UGT é responsável. É extremamente significativo ver quem apoia e aplaude este acordo. E a desvergonha aumenta quando o eng.º Proença agita a bandeira da "meia hora" como vitória singular. A verdade é que a historieta da "meia hora" foi um engodo, enganador como todos os engodos. As coisas estavam preparadas e cumpliciadas para se apresentar a "cedência" governamental e patronal como ganho sindical. O embuste servia para justificar o que aí vinha.
Estamos em pleno reino da infâmia. Enfraquecido pelas pressões conservadoras e ultraliberais e pelas traições oportunistas de aventureiros sem escrúpulos, o mundo do trabalho está cada vez mais encostado á parede do seu infortúnio. Porém, a história no-lo ensina que os incidentes de percurso, por dramáticos e dolorosos que sejam, são superados pela força da razão. Estamos num desses períodos, em que tudo parece perdido. Mas não está. O estádio civilizacional será, ocasionalmente, interrompido, mas não é nunca uma etapa definitiva. E o poder, quase totalitário, que parece avassalar a Europa, começa, aliás, a apresentar fissuras. Todas as derrotas são aparentes, por muito duradouras no aspecto. E não há conquista sem luta nem luta sem sofrimento.
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Nosso comentário:
Já tinha confessado, tal como outros portugueses, que me estaria marimbando para a crise, que não voltaria a este assunto, pelo menos com intensidade.
Só que a desilusão é mais que muita, quem tenha dois dedos de testa repara que algo de muito grave se está a passar.
Bastava ouvir os agentes da consertação social(!!??) em diálogo ameno na TV, à exeção do representante da CGTP, para não poder ficar-se calado, para ficar convencido de que os donos de Portugal de antigamente estão de novo aí.
Eu era muito jovem no tempo de Salazar, para entender os latifúndios, os monopólios, os fascistas, os comunistas, outros terminados em "istas", as lutas de classe latentes entre patrões e trabalhadores.
Apesar de jovem já compreendia. Compreendia que havia os "donos", os "senhores", os que tudo tinham e os "outros". Os primeiros eram poucos, detinham quase tudo, mais o poder.
Os outros eram muitos, detinham a força do trabalho nada mais, em troca de uns tostões, para servirem de lacaios, de carne para canhão (guerra colonial) de candidatos a emigrantes...assim por diante.
Após ter visitado um canal de televisão, ter visto os patrões eufóricos com o acordo de concertação social (arranjismos de bastidores, digo eu) em debate de sentido único, pensei logo escrever qualquer coisa sobre o assunto. Quebrar o meu propósito de deixar a crise em paz.
Encontro este artigo de Baptista Bastos, que foi o detonador dessa necessidade que sinto de não ficar calado, mesmo que não me identifique com extremismos estéreis.
Sinto-me roubado, ludibriado, enganado, pelo governo do meu país.
Este país nascido livre depois do 25 de Abril, não é de nenhuma troika ou partido único. Este país é dos de cá, é meu também. Exijo justiça, porque...este governo nem sequer pede, tira.
Que seja julgado por isso.
Na catequese que frequentei em pequeno dizia a catequista:
"meu filho, quem dá e tira vai para o inferno..."
Pergunto ingenuamente como em criança:
Senhor cardeal patriarca, respeitável clero, irá mesmo para o inferno, quem dá e tira?
Este governo estará lá todo!
Para terminar, o que vi ontem no tal debate da "consertação" é exatamente aquilo que sempre me afastou do comunismo como ideologia:
Certa ou errada a minha ideia, pelo menos a sua aplicação prática, no meu entender, sempre me cheirou a um nivelamento por baixo: uma elite a mandar, depois trabalhadores, um aparelho militar e policial, ausência de liberdade, um partido único.
Mas caros leitores, o que vi e ouvi ontem, ao que eu assisto nos últimos tempos em Portugal, é exatamente a esse nivelamento por baixo, a um partido único, a uma prepotência de "toma lá que já almoçaste".
Assim sendo, onde está a diferença?
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Fiquem bem,
António Esperança Pereira